quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Ano da Fé - 3a. Catequese: A Fé da Igreja

O Ano da Fé nas Catequeses de Bento XVI
"A Fé da Igreja"
3a. Catequese - 31 de outubro de 2012 



Bento XVI continua suas Catequeses prosseguindo suas reflexões, dedicando esta 3a. da série à Fé Católica, depois de ter mostrado anteriormente ser a Fé do dom.
Nesta, o Papa parte de algumas perguntas: * a Fé tem um caracter so pessoal, indivudual? * Diz respeito só à minha pessoa? * Vivo a  minha Fé individualmente, algo que acontece no mais profuno íntimo e marca uma conversão pessoal?
O Santo Pade encontra resposts à este questionameto na eclesiologia, em a Igreja enquanto Corpo Mistico de Cristo, compõe-se de membros com dupla dimensão, uma pessoal e outra social.
A eclesiologia do Concílio Vaticano II, cujo cinqüentenário estamos a celebrar.
Como ovelhas acolhamos a voz de nossos Pastor.

XXXXX  -  XXXXX


Queridos irmãos e irmãs,

Prosseguimos no nosso caminho de meditação sobre a fé católica. Na semana passada mostrei como a fé é um dom, porque é Deus que toma a iniciativa e vem até nós; e assim a fé é uma resposta com a qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. É um dom que transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus, o qual age em nós e nos abre ao amor a Deus e aos outros.

Hoje gostaria de dar outro passo na nossa reflexão, partindo mais uma vez de algumas perguntas: a fé tem um carácter só pessoal, individual? Diz respeito só à minha pessoa? Vivo a minha fé individualmente? Decerto, o acto de fé é eminentemente pessoal, o qual se realiza no íntimo mais profundo e marca uma mudança de direcção, uma conversão pessoal: é a minha existência que recebe uma mudança, uma orientação nova. Na Liturgia do Baptismo, no momento das promessas, o celebrante pede para manifestar a fé católica e formula três perguntas: Credes em Deus Todo-Poderoso? Credes em Jesus Cristo seu único Filho? Credes no Espírito Santo? Antigamente estas perguntas eram dirigidas pessoalmente a quantos deveriam receber o Baptismo, antes de os imergir três vezes na água. E também hoje a resposta é dada no singular: «Creio».

Mas este meu crer não é o resultado de uma minha reflexão solitária, nem o produto de um meu pensamento, mas é fruto de uma relação, de um diálogo, no qual há um ouvir, um receber e um responder; é o comunicar com Jesus que me faz sair do meu «eu» fechado em mim mesmo para me abrir ao amor de Deus Pai. É como um renascimento no qual me descubro unido não só a Jesus mas também a todos os que caminharam e caminham na mesma senda; e este novo nascimento, que inicia com o Baptismo, continua por todo o percurso da existência. Não posso construir a minha fé pessoal num diálogo privado com Jesus, porque a fé me é doada por Deus através duma comunidade crente que é a Igreja e, desta maneira, me insere na multidão dos crentes numa comunhão que não é só sociológica, mas radicada no amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé só é deveras pessoal, se for também comunitária: só pode ser a minha fé, se viver e se mover no «nós» da Igreja, se for a nossa fé, a fé comum da única Igreja.

Aos domingos, durante a Santa Missa, recitando o «Credo», nós expressamo-nos em primeira pessoa, mas confessamos comunitariamente a única fé da Igreja. O «Credo» pronunciado singularmente une-se ao de um imenso coro no tempo e no espaço, no qual cada um contribui, por assim dizer, para uma polifonia concorde na fé. O Catecismo da Igreja Católica resume de modo claro: «“Crer” é um acto eclesial. A fé da Igreja precede, gera, apoia e nutre a nossa fé. A Igreja é a Mãe de todos os crentes. “Ninguém pode dizer que tem Deus como Pai se não tiver a Igreja como Mãe” [São Cipriano]» (n. 181). Portanto, a fé nasce na Igreja, conduz para ela e vive nela. É importante recordar isto.

No ínicio do acontecimento cristão, quando o Espírito Santo desce com poder sobre os discípulos, no dia de Pentecostes — como narram os Actos dos Apóstolos (cf. 2, 1-13) — a Igreja nascente recebe a força para actuar a missão que lhe foi confiada pelo Senhor ressuscitado: difundir o Evangelho em todos os cantos da terra, a boa nova do Reino de Deus, e, deste modo, guiar todos os homens para o encontro com Ele, para a fé que salva. Os Apóstolos superam todos os temores proclamando o que tinham ouvido, visto, experimentado pessoalmente com Jesus. Pelo poder do Espírito Santo, iniciam a falar línguas novas, anunciando abertamente o mistério do qual foram testemunhas. Depois nos Actos dos Apóstolos é-nos referido o grande discurso que Pedro pronuncia precisamente no dia de Pentecostes. Ele começa com um trecho do profeta Joel (3, 1-5), referindo-o a Jesus, e proclamando o núcleo central da fé cristã: Aquele que beneficiou todos, que foi reconhecido junto de Deus com prodígios e sinais importantes, foi pregado na cruz e morreu, mas Deus ressuscitou-o dos mortos, constituindo-o Senhor e Cristo. Com Ele entrámos na salvação definitiva anunciada pelos profetas e quem invocar o seu nome será salvo (cf. Act 2, 17-24). Ao ouvir estas palavras de Pedro, muitos se sentiram pessoalmente interpelados, arrependeram-se dos próprios pecados e fizeram-se baptizar, recebendo o dom do Espírito Santo (cf. Act 2, 37-41).

Assim iniciou o caminho da Igreja, comunidade que transmite este anúncio no tempo e no espaço, comunidade que é o Povo de Deus fundado na nova aliança graças ao sangue de Cristo e cujos membros não pertencem a um particular grupo social ou étnico, mas são homens e mulheres provenientes de todas as nações e culturas. É um povo «católico», que fala línguas novas, universalmente aberto a acolher todos, além dos confins, abatendo todas as barreiras. Diz são Paulo: «Não há mais grego nem judeu, nem circunciso nem incircunciso, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem livre, mas Cristo, que é tudo em todos» (Cl 3, 11).

Portanto, desde os primóridos a Igreja é o lugar da fé, da transmissão da fé, o lugar no qual, pelo Baptismo, nos imergimos no Mistério Pascal da Morte e da Ressurreição de Cristo, que nos liberta da prisão do pecado, nos doa a liberdade de filhos e nos introduz na comunhão com o Deus trinitário. Ao mesmo tempo, estamos imersos na comunhão com os outros irmãos e irmãs de fé, com o inteiro Corpo de Cristo, tirados do nosso isolamento. O Concílio Vaticano II recorda: «Deus quis salvar e santificar os homens não individualmente nem sem qualquer vínculo entre si, mas quis constituir com eles um povo, que O reconhecesse na verdade e O servisse fielmente» (Const. dogm. Lumen gentium, 9). Mencionando ainda a Liturgia do Baptismo vemos que na conclusão das promessas nas quais expressamos a renúncia ao mal e repetimos «creio» às verdades da fé, o celebrante declara: «Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja que nos gloriamos de professar em Jesus Cristo nosso Senhor». A fé é virtude teologal, doada por Deus, mas transmitida pela Igreja ao longo da história. O próprio são Paulo, escrevendo aos Coríntios, afirma que lhes comunicou o Evangelho que por sua vez também ele tinha recebido (cf. 1 Cor 15, 3).

Há uma corrente ininterrupta de vida da Igreja, de anúncio da Palavra de Deus, de celebração dos Sacramentos, que chega até nós e à qual chamamos Tradição. Ela dá-nos a garantia de que cremos na mensagem originária de Cristo, transmitida pelos Apóstolos. O núcleo do anúncio primordial é o evento da Morte e Ressurreição do Senhor, do qual brota todo o património da fé. Diz o concílio: «A pregação apostólica, que está exposta de um modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se até ao fim dos tempos, por uma sucessão contínua» (Const. dogm. Dei Verbum, 8). Deste modo, se a Sagrada Escritura contém a Palavra de Deus, a Tradição da Igreja a conserva-a e transmite-a fielmente, para que os homens de todas as épocas possam aceder aos seus imensos recursos e se enriqueçam com os seus tesouros de graça. Assim a Igreja «na sua doutrina, na sua vida e no seu culto transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que ela acredita» (ibidem).

Enfim, gostaria de realçar que é na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece. É interessante observar como no Novo Testamento a palavra «santos» designa os cristãos no seu conjunto, mas certamente nem todos tinham as qualidades para ser declarados santos pela Igreja. Que se desejava então indicar com este termo? O facto de que os tinham e viviam a fé em Cristo ressuscitado foram chamados a tornar-se um ponto de referência para todos os outros, pondo-os assim em contacto com a Pessoa e com a Mensagem de Jesus, que revela a face do Deus vivo. E isto vale também para nós: um cristão que se deixa guiar e plasmar gradualmente pela fé da Igreja, não obstante as suas debilidades, os seus limites e dificuldades, torna-se como uma janela aberta à luz do Deus vivo, que recebe esta luz e a transmite ao mundo. O Beato João Paulo II na Encíclica Redemptoris missio afirmava que «a missão renova a Igreja, revigora a fé e a identidade cristã, dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações. É dando a fé que ela se fortalece!» (n. 2).

Portanto, a tendência hoje difundida a relegar a fé na esfera do privado contradiz a sua própria natureza. Precisamos de uma Igreja para confirmar a nossa fé e fazer experiência dos dons de Deus: a sua Palavra, os Sacramentos, o apoio da graça e o testemunho do amor. Assim o nosso «eu» no «nós» da Igreja poderá sentir-se, ao mesmo tempo, destinatário e protagonista de um evento que o supera: a experiência da comunhão com Deus, que funda a comunhão entre os homens. Num mundo no qual o individualismo parece regular as relações entre as pessoas, tornando-as cada vez mais frágeis, a fé chama-nos a ser Povo de Deus, a ser Igreja, portadores do amor e da comunhão de Deus por todo o género humano (cf. Const. past. Gaudium et spes, 1). Obrigado pela atenção.







Ano da Fé - 4a. Catequese

                                O "Ano da Fé" nas Catequeses de Bento XVI
"O Desejo de Deus"
4a. Catequese - 07 de Novembro de 2012 

Na Catequese de hoje, a 4a. da série "Ano da fé", Bento XVI trata de um tema visto pelo Papa como "fascinante experiencia humana e cristã": O desejo de Deus".
E nos lembra que o Catecismo da Igreja Católica logo de início faz a seguinte consideração: "Desejar a Deus é um sentimento inscrito no coração do homem algo inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem a Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que não se cansa de procurar" (n. 27).
Esta afirmação, numa sociedade secularizada, continua o Santo Padre, poderia parecer uma provocação, cuja resposta encontramos em sua primeira Encíclica: "Deus é Amor".
E nos lembra que nessa Encíclica procuraou analisar como dinamismo Diante da pergunta: o que na verdade pode saciar o desejo do homem, o Santo Padre responde citando sua primeira encíclica: "Deus é Amor".
Nessa encíclica, o Papa procura analisar como esse dinamismo se realiza na experiencia do amor humano.
Puricação e cura  do querer é uma exigência do próprio bem que se quer ao outro.

Abramos o coração para acolher com fé a palavra de Bento XVI.

XXXXX  -  XXXXX



Queridos irmãos e irmãs,
O caminho de reflexão que estamos a fazer juntos neste Ano da fé leva-nos hoje a meditar sobre um aspecto fascinante da experiência humana e cristã: o homem leva consigo um desejo misterioso de Deus. De uma forma significativa, o Catecismo da Igreja Católica inicia precisamente com a seguinte consideração: «Desejar a Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem a Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que não se cansa de procurar» (n. 27).

Esta afirmação, que também hoje em muitos contextos culturais parece ser totalmente partilhável, quase óbvia, poderia ao contrário parecer uma provocação no âmbito da cultura ocidental secularizada. Com efeito, muitos nossos contemporâneos poderiam objectar que não sentem minimamente tal desejo de Deus. Em amplos sectores da sociedade Ele já não é o esperado, o desejado, mas sim uma realidade que deixa indiferentes, face à qual nem sequer se deve fazer o esforço de se pronunciar. Na realidade, aquele que definimos «desejo de Deus» não desapareceu totalmente e apresenta-se ainda hoje, de muitas formas, ao coração do homem. O desejo humano tende sempre para determinados bens concretos, muitas vezes tudo menos que bens espirituais, e todavia encontra-se face à pergunta acerca do que é deveras «o» bem, e por conseguinte confronta-se com algo que é outra coisa e não é o eu, que o homem não pode construir, mas está chamado a reconhecer. O que pode deveras saciar o desejo do homem?

Na minha primeira encíclica, Deus caritas est, procurei analisar como este dinamismo se realiza na experiência do amor humano, experiência que na nossa época é mais facilmente sentida como momento de êxtase, de sair de si, como lugar no qual o homem sente que é atravessado por um desejo que o supera. Através do amor, o homem e a mulher experimentam de maneira nova, um graças ao outro, a grandeza e a beleza da vida e do real. Se o que experimento não é uma simples ilusão, se deveras quero o bem do outro como caminho também para o meu bem, então devo estar disposto a descentralizar-me, a pôr-me ao seu serviço, até à renúncia de mim mesmo. Por conseguinte, a resposta à questão acerca do sentido da experiência do amor passa através da purificação e da cura do querer, exigida pelo próprio bem que se quer ao outro. Devemos exercitar-nos, treinar-nos, até corrigir-nos, para que aquele bem possa deveras ser querido.

O êxtase inicial traduz-se assim em peregrinação, «êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus» (Enc. Deus caritas est, 6). Através deste caminho poderá progressivamente aprofundar-se para o homem o conhecimento daquele amor que inicialmente tinha experimentado. E assim vai-se delineando cada vez mais o mistério que ele representa: de facto, nem sequer a pessoa amada é capaz de saciar o desejo que se aninha no coração humano, aliás, quanto mais autêntico é o amor para o outro, tanto mais ele deixa abrir a interrogação acerca da sua origem e do seu destino, acerca da possibilidade que ele tem de durar para sempre. Por conseguinte, a experiência humana do amor tem em si um dinamismo que remete para além de si mesmo, é experiência de um bem que leva a sair de si e a encontrar-se diante do mistério que envolve toda a existência.

Poder-se-iam fazer também considerações análogas em relação a outras experiências humanas, tais como a amizade, a experiência do que é belo, o amor pelo conhecimento: cada bem experimentado pelo homem tende para o mistério que envolve o próprio homem; cada desejo que se apresenta ao coração humano faz-se eco de um desejo fundamental que nunca é plenamente saciado. Sem dúvida, deste desejo profundo, que esconde também algo de enigmático, não se pode chegar directamente à fé. O homem, em síntese, conhece bem o que não o sacia, mas não pode imaginar ou definir o que lhe faria experimentar aquela felicidade da qual leva no coração as saudades.

Não se pode conhecer Deus só a partir do desejo do homem. Sob este ponto de vista permanece o mistério: o homem é indagador do Absoluto, um indagador que dá passos pequenos e incertos. E contudo, já a experiência do desejo, do «coração inquieto» como lhe chamava santo Agostinho, é bastante significativa. Ela confirma-nos que o homem é, no profundo, um ser religioso (cf. Catecismo da Igreja Católica, 28), um «mendigo de Deus». Podemos dizer com as palavras de Pascal: «O homem supera infinitamente o homem» (Pensamentos, ed. Chevalier 438; ed. Brunschvicg 434). Os olhos reconhecem os objectos quando eles estão iluminados pela luz. Eis por que o desejo de conhecer a própria luz, que faz brilhar as coisas do mundo e com elas acende o sentido da beleza.

Por conseguinte devemos considerar que seja possível também na nossa época, aparentemente tão insensível à dimensão transcendente, abrir um caminho rumo ao autêntico sentido religioso da vida, que mostra como o dom da fé não é absurdo, não é irracional. Seria de grande utilidade, para este fim, promover uma espécie de pedagogia do desejo, quer para o caminho de quem ainda não crê, quer para quem já recebeu o dom da fé. Uma pedagogia que inclui pelo menos dois aspectos. Em primeiro lugar, aprender ou voltar a aprender o gosto pelas alegrias autênticas da vida. Nem todas as satisfações produzem em nós o mesmo efeito: algumas deixam uma marca positiva, são capazes de pacificar o ânimo, tornam-nos mais activos e generosos. Outras, ao contrário, depois da luz inicial, parecem desiludir as expectativas que tinham suscitado e por vezes deixam atrás de si amargura, insatisfação ou um sentido de vazio. Educar desde a tenra idade para saborear as alegrias verdadeiras, em todos os âmbitos da existência — a família, a amizade, a solidariedade com quem sofre, a renúncia ao próprio eu para servir o próximo, o amor ao conhecimento, à arte, às belezas da natureza — tudo isto significa exercer o gosto interior e produzir anticorpos eficazes contra a banalização e o nivelamento hoje difundidos. Também os adultos precisam de redescobrir estas alegrias, de desejar realidades autênticas, purificando-se da mediocridade na qual podem encontrar-se envolvidos. Tornar-se-á então mais fácil deixar cair ou rejeitar tudo o que, mesmo se é aparentemente atraente, ao contrário se revela insípido, fonte de enebriamento e não de liberdade. E isto fará sobressair aquele desejo de Deus do qual estamos a falar.

Um segundo aspecto, que caminha a par com o precedente, é nunca se contentar com aquilo que se alcançou. Precisamente as alegrias mais verdadeiras são capazes de libertar em nós aquela inquietação sadia que leva a ser mais exigentes — querer um bem maior, mais profundo — e ao mesmo tempo sentir com clareza cada vez maior que nada de finito pode colmar o nosso coração. Assim aprenderemos a tender, desarmados, para aquele bem que não podemos construir ou obter com as nossas forças; a não nos deixarmos desencorajar pela fadiga ou pelos obstáculos que provêm do nosso pecado.

A este propósito não devemos esquecer contudo que o dinamismo do desejo está sempre aberto à redenção. Também quando ele se adentra por caminhos desviados, quando persegue paraísos artificiais e parece perder a capacidade de ansiar pelo bem verdadeiro. Também no abismo do pecado não se apaga no homem aquela centelha que lhe permite reconhecer o verdadeiro bem, saboreá-lo, e assim iniciar um percurso de subida, no qual Deus, com o dom da sua graça, nunca deixa faltar a sua ajuda. De resto, todos temos necessidade de percorrer um caminho de purificação e de cura do desejo. Somos peregrinos rumo à pátria celeste, rumo àquele bem pleno, eterno, que nada jamais nos poderá extirpar. Por conseguinte, não se trata de sufocar o desejo que se encontra no coração do homem, mas de o libertar, para que possa alcançar a sua verdadeira altura. Quando no desejo se abre a janela em direcção a Deus, isto já é sinal da presença da fé no ânimo, fé que é uma graça de Deus. Sempre santo Agostinho afirmava: «Com a expectativa, Deus alarga o nosso desejo, com o desejo alarga o ânimo e dilatando-o torna-o mais capaz» (Comentário à Primeira carta de João, 4, 6; pl 35, 2009).

Nesta peregrinação, sintamo-nos irmãos de todos os homens, companheiros de viagem também de quantos não crêem, de quem está à procura, de quem se deixa interrogar com sinceridade pelo dinamismo do próprio desejo de verdade e de bem. Rezemos, neste Ano da fé, para que Deus mostre o seu rosto a quantos o procuram com coração sincero. Obrigado.



sábado, 10 de novembro de 2012

Catequese de Bento XVI 24/10/12

"Ano da Fé"
2a. Catequese do Santo Padre, Bento XVI
24 de Outubro de 2012


Nesta Catequese, dando continuidade à uma nova série, Bento XVI desenvolve o tema da fé, que é uma questão fundamental.
Nesta reflexão o Santo Padre questiona se: "num mundo em que a ciência e a têcnica abriram horizontes até há pouco tempo impensáveis, o que significa hoje CRER?"
Com peculiar lucidez e objetividade, passando pelos sinais de tanta coisa boa em meio a um certo "deserto espiritual", somos conduzidos à fonte da verdade única tanto para a Fé como para a ciência e a técnica: DEUS em JESUS CRISTO pelo Espírito Santo.


Queridos irmãos e irmãs,

Na quarta-feira passada, com o início do Ano da fé, dei início a uma nova série de catequeses sobre a fé. E hoje gostaria de meditar convosco sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda tem sentido a fé, num mundo em que ciência e técnica abriram horizontes até há pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? Com efeito, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua sem dúvida um conhecimento das suas verdades e dos acontecimentos da salvação, mas sobretudo que nasça de um encontro verdadeiro com Deus em Jesus Cristo, do amá-lo, do ter confiança nele, de modo que a vida inteira seja envolvida por Ele.

Hoje, juntamente com tantos sinais de bem, aumenta ao nosso redor um certo deserto espiritual. Às vezes tem-se como que a sensação, a partir de certos acontecimentos dos quais recebemos notícias todos os dias, que o mundo não caminha rumo à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as próprias ideias de progresso e de bem-estar mostram também as suas sombras. Não obstante a grandeza das descobertas da ciência e dos êxitos da técnica, hoje o homem não parece ter-se tornado verdadeiramente mais livre, mais humano; subsistem muitas formas de exploração, de manipulação, de violência, de prepotência, de injustiça... Além disso, um certo tipo de cultura educou a mover-se só no horizonte das coisas, do realizável, a acreditar unicamente naquilo que se vê e se toca com as próprias mãos. Mas por outro lado, aumenta também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão apenas horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário.

Neste contexto sobressaem algumas interrogações fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Para que rumo orientar as opções da nossa liberdade, para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?

Destas interrogações insuprimíveis sobressai que o mundo da planificação, do cálculo exacto e da experimentação, em síntese o saber da ciência, embora seja importante para a vida do homem, sozinho não é suficiente.

Temos necessidade não só do pão material, mas precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um sentido autêntico também na crise, nas obscuridades, nas dificuldades e nos problemas quotidianos.

A fé oferece-nos precisamente isto: é um entregar-se confiante a um «Tu», que é Deus, o qual me confere uma certeza diversa, mas não menos sólida do que aquela que me deriva do cálculo exacto ou da ciência. A fé não é simples assentimento intelectual do homem a verdades particulares sobre Deus; é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um «Tu» que me dá esperança e confiança.

Sem dúvida, esta adesão a Deus não está isenta de conteúdos: com ela estamos conscientes de que o próprio Deus nos é indicado em Cristo, mostrou o seu rosto e fez-se realmente próximo de cada um de nós. Aliás, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é incomensurável: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que se fez homem, mostra-nos do modo mais luminoso até que ponto chega este amor, até ao dom de si mesmo, até ao sacrifício total. Com o mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até ao fundo na nossa humanidade, para lha restituir, para a elevar à sua altura.

A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, perante o mal e a morte, mas é capaz de transformar todas as formas de escravidão, oferecendo a possibilidade da salvação. Então, ter fé é encontrar este «Tu», Deus, que me sustém e me faz a promessa de um amor indestrutível, que não só aspira à eternidade, mas também a concede; é confiar-me a Deus com a atitude da criança, a qual sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão salvaguardados no «tu» da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens.

Penso que deveríamos meditar mais frequentemente — na nossa vida quotidiana, caracterizada por problemas e situações por vezes dramáticas — sobre o facto de que crer cristãmente significa este abandonar-se com confiança ao sentido profundo que me sustém, a mim e ao mundo, àquele sentido que não somos capazes de nos darmos a nós mesmos, mas só de receber como dádiva, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem temor. Temos que ser capazes de anunciar com a palavra e de mostrar com a nossa vida cristã esta certeza libertadora e tranquilizadora da fé.

Contudo, ao nosso redor vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes, ou rejeitam aceitar este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado, que diz: «Quem crer e for baptizado será salvo, mas quem não crer será condenado» (Mc 16, 16), perder-se-á a si mesmo. Gostaria de vos convidar a meditar sobre isto.

A confiança na acção do Espírito Santo deve impelir-nos sempre a ir e anunciar o Evangelho, ao testemunho corajoso da fé; mas para além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé há inclusive o risco da rejeição do Evangelho, do não-acolhimento do encontro vital com Cristo. Já santo Agostinho apresentava este problema num seu comentário à parábola do semeador: «Nós falamos — dizia — lançamos a semente, espalhamos a semente. Há aqueles que desprezam, aqueles que repreendem, aqueles que zombam. Se os tememos, não teremos mais nada para semear, e no dia da ceifa permaneceremos sem colheita. Por isso, venha a semente da terra boa» (Discursos sobre a disciplina cristã, 13, 14: pl 40, 677-678).

Portanto, a rejeição não nos pode desencorajar. Como cristãos, somos testemunhas deste terreno fértil: apesar dos nossos limites, a nossa fé demonstra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de uma nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, que existe a semente boa, e dá fruto.

Mas perguntemo-nos: de onde haure o homem aquela abertura do coração e da mente, para acreditar no Deus que se tornou visível em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de tal modo que Ele e o seu Evangelho sejam guia e luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus, porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. Então, a fé é antes de tudo uma dádiva sobrenatural, um dom de Deus.

O Concílio Vaticano II afirma: «Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte a Deus o coração, abre os olhos do entendimento, e dá “a todos a suavidade em aceitar e crer na verdade”» (Constituição dogmática Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé está o Baptismo, o sacramento que nos confere o Espírito Santo, tornando-nos filhos de Deus em Cristo, e marca a entrada na comunidade da fé, na Igreja: não cremos por nós mesmos, sem a prevenção da graça do Espírito; e não cremos sozinhos, mas juntamente com os irmãos. Do Baptismo em diante, cada crente é chamado a reviver e fazer sua esta profissão de fé, com os irmãos.

A fé é dom de Deus, mas é também acto profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica afirma-o claramente: «O acto de fé só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um acto autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem» (n. 154). Aliás, envolve-as e exalta-as, numa aposta de vida que é como que um êxodo, ou seja um sair de nós mesmos, das nossas seguranças, dos nossos esquemas mentais, para nos confiarmos à acção de Deus que nos indica o seu caminho para alcançar a liberdade verdadeira, a nossa identidade humana, a alegria do coração, a paz com todos.

Crer é confiar-se com toda a liberdade e com alegria ao desígnio providencial de Deus sobre a história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. Então, a fé é um assentimento com que a nossa mente e o nosso coração dizem o seu «sim» a Deus, professando que Jesus é o Senhor. E este «sim» transforma a vida, abre-lhe o caminho rumo a uma plenitude de significado, tornando-a assim nova, rica de júbilo e de esperança confiável.

Caros amigos, o nosso tempo exige cristãos que tenham sido arrebatados por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e com os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustém no caminho e nos abre para a vida que nunca mais terá fim. Obrigado!



Catequese de Bento XVI 17/10/12

Ano da Fé nas Catequeses de Bento XVI
Novo Ciclo de Catequeses: "O Ano da Fé"
1a. Catequese - 17 de Outubro de 2012



A preocupação de Bento XVI com a descristianização que vai tomando conta de boa parte de mundo cristianizado, com a desastrosa perda dos valores humanos e cristãos, fez surgir em seu coração de Pai e Pastor, a feliz iniciativa de istituir para toda a Igreja
o "Ano da Fé", por Ele inaugurado em Roma no dia 11 de outubro passado, cinqüentenário do Concílio Vaticano II e que se estendenrá até a festa de Cristo Rei do proximo ano, 24 de novembro de 2013.

Na carta Apostólica "A Porta da Fé", lembrando o início de seu Pontificado afirma "lembrei a necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidencia sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo".
E ainda "A Igreja no seu conjunto e os Pastores nela, como Cristo devem por-se a caminho para conduzir os homens fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para aquele que da a vida, a vida em plenitude" (PF n.1).
É precisamente o que faz o Papa, como Bom Pastor, no intuido de nos ajudar a viver o "Ano da Fé", oferecendo-nos um novo siclo suas catequeses que se inserem no contexto desse ano.

Agradecemos ao Santo Padre comprometendo-nos filialmente com seus preciosos ensinamentos.
A seguir a Catequese do Papa de 17 de outubro passado

XXXXX  -  XXXXX


Queridos irmãos e irmãs,

Hoje gostaria de introduzir o novo ciclo de catequeses, que se desenvolve ao lonto de todo o Ano da fé, recém-iniciado, e que interrompe — durante este período — o ciclo dedicado à escola da oração. Mediante a Carta Apostólica Porta Fidei proclamei este Ano especial, precisamente para que a Igreja renove o entusiasmo de crer em Jesus Cristo, único Salvador do mundo, reavive a alegria de percorrer o caminho que nos indicou e testemunhe de modo concreto a força transformadora da fé.

A celebração do cinquentenário da inauguração do Concílio Vaticano II é uma ocasião importante para voltar para Deus, a fim de aprofundar e viver com maior coragem a própria fé, para fortalecer a pertença à Igreja, «mestra em humanidade» que, através do anúncio da Palavra, da celebração dos Sacramentos e das obras de caridade, nos orienta para encontrar e conhecer Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Trata-se do encontro não com uma ideia, nem com um projecto de vida, mas com uma Pessoa viva que nos transforma em profundidade a nós mesmos, revelando-nos a nossa verdadeira identidade de filhos de Deus. O encontro com Cristo renova os nossos relacionamentos humanos, orientando-os no dia-a-dia para uma maior solidariedade e fraternidade, na lógica do amor. Ter fé no Senhor não é algo que interessa unicamente à nossa inteligência, ao campo do saber intelectual, mas é uma mudança que compromete a vida, a totalidade do nosso ser: sentimento, coração, inteligência, vontade, corporeidade, emoções e relacionamentos humanos. Com a fé muda verdadeiramente tudo em nós e para nós, e revela-se com clareza o nosso destino futuro, a verdade da nossa vocação no interior da história, o sentido da vida, o gosto de sermos peregrinos rumo à Pátria celeste.

Mas — perguntemo-nos — a fé é verdadeiramente a força transformadora da nossa vida, na minha vida? Ou então é apenas um dos elementos que fazem parte da existência, sem ser aquele determinante, que a abrange totalmente? Com as catequeses deste Ano da fé gostaríamos de percorrer um caminho para fortalecer ou reencontrar a alegria da fé, compreendendo que ela não é algo de alheio, separado da vida concreta, mas é a sua alma. A fé num Deus que é amor, e que se fez próximo do homem, encarnando e doando-se a si mesmo na cruz para nos salvar e reabrir as portas do Céu, indica de modo luminoso que a plenitude do homem consiste unicamente no amor. Hoje é necessário reiterá-lo com clareza, enquanto as transformações culturais em curso mostram com frequência tantas formas de barbárie, que passam sob o sinal de «conquistas de civilização»: a fé afirma que não há humanidade autêntica, a não ser nos lugares, nos gestos, nos tempos e nas formas como o homem é animado pelo amor que vem de Deus, se expressa como dom, se manifesta em relações ricas de amor, de compaixão, de atenção e de serviço abnegado ao próximo. Onde existe domínio, posse, exploração, mercantilização do outro por egoísmo próprio, onde há arrogância do eu, fechado em si mesmo, o homem torna-se pobre, degradado, desfigurado. A fé cristã, laboriosa na caridade e forte na esperança, não limita mas humaniza a vida, aliás, torna-a plenamente humana.

A fé é o acolhimento desta mensagem transformadora na nossa vida, o acolhimento da revelação de Deus, que nos faz conhecer quem Ele é, como age, quais são os seus desígnios para nós. Sem dúvida, o mistério de Deus permanece sempre além dos nossos conceitos e da nossa razão, dos nossos ritos e das nossas preces. Todavia, com a revelação é o próprio Deus quem se autocomunica, se descreve, se torna acessível. E nós tornamo-nos capazes de ouvir a sua Palavra e de receber a sua verdade. Eis, pois, a maravilha da fé: Deus, no seu amor, cria em nós — através da obra do Espírito Santo — as condições adequadas para que possamos reconhecer a sua Palavra. O próprio Deus, na sua vontade de se manifestar, de entrar em contacto connosco, de se fazer presente na nossa história, torna-nos capazes de o ouvir e acolher. São Paulo exprime-o assim, com alegria e reconhecimento: «Nós não cessamos de dar graças a Deus, porque recebestes a palavra de Deus, que de nós ouvistes, e porque a acolhestes não como palavra de homens, mas como aquilo que realmente é, palavra de Deus, que age eficazmente em vós, fiéis» (1 Ts 2, 13).

Deus revelou-se mediante palavras e obras em toda uma longa história de amizade com o homem, que culmina na Encarnação do Filho de Deus e no seu Mistério de Morte e Ressurreição. Deus não só se revelou na história de um povo, nem falou só por meio dos Profetas, mas atravessou o seu Céu para entrar na terra dos homens como homem, para que pudéssemos encontrá-lo e ouvi-lo. E de Jerusalém o anúncio do Evangelho da salvação propagou-se até aos confins da terra. A Igreja, nascida do lado de Cristo, tornou-se portadora de uma esperança nova e sólida: Jesus de Nazaré, crucificado e ressuscitado, Salvador do mundo, que está sentado à direita do Pai e é Juiz dos vivos e dos mortos. Este é o kerigma, o anúncio central e impetuoso da fé. Mas desde o início levantou o problema da «regra da fé», ou seja, da fidelidade dos crentes à verdade do Evangelho, na qual permanecer firmes, à verdade salvífica sobre Deus e sobre o homem, que se deve conservar e transmitir. São Paulo escreve: «Recebereis a salvação, se o mantiverdes [o Evangelho] como vo-lo anunciei. Caso contrário, em vão teríeis abraçado a fé» (1 Cor 15, 2).

Mas onde encontramos a fórmula essencial da fé? Onde encontramos as verdades que nos foram fielmente transmitidas e que constituem a luz para a nossa vida diária? A resposta é simples: no Credo, na Profissão de Fé, ou Símbolo da Fé, nós relacionamo-nos com o acontecimento originário da Pessoa e da História de Jesus de Nazaré; torna-se concreto quanto o Apóstolo das nações dizia aos cristãos de Corinto: «Transmiti-vos primeiramente o que eu mesmo tinha recebido: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia» (1 Cor 15, 3-4).

Ainda hoje temos necessidade que o Credo seja melhor conhecido, compreendido e pregado. Sobretudo, é importante que o Credo seja, por assim dizer, «reconhecido». Com efeito, conhecer poderia ser algo simplesmente intelectual, enquanto «reconhecer» quer significar a necessidade de descobrir o vínculo profundo entre as verdades que professamos no Credo e a nossa existência quotidiana, para que estas verdades sejam deveras e concretamente — como sempre foram — luz para os passos do nosso viver, água que rega a aridez do nosso caminho, vida que vence certos desertos da vida contemporânea. No Credo insere-se a vida moral do cristão, que nele encontra o seu fundamento e a sua justificação.

Não é por acaso que o Beato João Paulo II quis que o Catecismo da Igreja Católica, norma segura para o ensinamento da fé e fonte certa para uma catequese renovada, se inspirasse no Credo. Tratava-se de confirmar e conservar este núcleo fulcral das verdades da fé, comunicando-o numa linguagem mais inteligível aos homens do nosso tempo, a nós. É um dever da Igreja transmitir a fé, comunicar o Evangelho, a fim de que as verdades cristãs sejam luz das novas transformações culturais, e os cristãos se tornem capazes de explicar a razão da sua esperança (cf. 1 Pd 3, 14). Hoje, vivemos numa sociedade profundamente transformada, também em relação a um passado recente, e em movimento contínuo. Os processos da secularização e de uma difundida mentalidade niilista, em que tudo é relativo, marcaram profundamente a mentalidade comum. Assim, a vida é muitas vezes levada com superficialidade, sem ideais claros nem esperanças sólidas, no contexto de vínculos sociais e familiares fluidos, provisórios. Sobretudo as novas gerações não são educadas para a busca da verdade e do sentido profundo da existência, que ultrapasse o contingente, para a estabilidade dos afectos, para a confiança. Ao contrário, o relativismo leva a não ter pontos firmes, suspeita e volubilidade provocam rupturas nos relacionamentos humanos, enquanto a vida é vivida com experiências que duram pouco, sem assunção de responsabilidade. Se o individualismo e o relativismo parecem dominar o espírito de muitos contemporâneos, não se pode dizer que os crentes permanecem totalmente imunes a estes perigos, que devemos enfrentar na transmissão da fé. A sondagem realizada em todos os Continentes, em vista da celebração do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, evidenciou alguns: uma fé vivida de modo passivo e privado, a rejeição da educação para a fé, a ruptura entre vida e fé.

Muitas vezes o cristão não conhece nem sequer o núcleo central da própria fé católica, do Credo, de modo a deixar espaço a um certo sincretismo e relativismo religioso, sem clareza sobre as verdades nas quais crer e sobre a singularidade salvífica do cristianismo. Hoje não está muito distante o risco de construir, por assim dizer, uma religião personalizada. Ao contrário, temos que voltar para Deus, para o Deus de Jesus Cristo, temos que redescobrir a mensagem do Evangelho, fazê-lo entrar de modo mais profundo nas nossas consciências e na vida quotidiana.

Nas catequeses deste Ano da fé gostaria de oferecer uma ajuda para percorrer este caminho, para retomar e aprofundar as verdades centrais da fé sobre Deus, o homem, a Igreja e toda a realidade social e cósmica, meditando e ponderando sobre as afirmações do Credo. E gostaria que fosse clara que estes conteúdos ou verdades da fé (fides quae) se relacionam directamente com a nossa vida; exigem uma conversão da existência, que dá vida a um novo modo de crer em Deus (fides qua). Conhecer Deus, encontrá-lo, aprofundar os traços da sua Face põe em jogo a nossa vida, pois Ele entra nos dinamismos profundos do ser humano.

Possa o caminho que percorreremos este Ano fazer-nos crescer todos na fé e no amor a Cristo, para que aprendamos a viver, nas opções e gestos quotidianos, a vida boa e bela do Evangelho. Obrigado!



segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Cinqüentenário do Concílio Vaticano II

Cinqüentenário do Concílio Vaticano II


Na Vigília do Cinqüentenário do Concílio Vaticano II, o Santo Padre Bento XVI dedicou sua catequese de 10 de outubro passado, a esse memoravel acontecimento eclesial do qual foi sua Santidade testemunha direta.
Lembrando o Beato João Paulo II, o Papa nos convida a retomar o Concílio Vaticano II, tendo nele uma búlsula segura a nos orientar neste desafiante Terceiro Milênio.
Acolhamos de mente e coração abertos a Palava de nosso Pai e Pastor


Queridos irmãos e irmãs,
Estamos na vigília do dia em que celebraremos os cinquenta anos da inauguração do Concílio Ecuménico Vaticano II e o início do Ano da fé. Com esta Catequese, gostaria de começar a meditar — com alguns pensamentos breves — sobre o grande acontecimento eclesial que foi o Concílio, evento do qual fui testemunha directa. Ele, por assim dizer, manifesta-se-nos como um grande afresco, pintado na sua grandiosa multiplicidade e variedade de elementos, sob a guia do Espírito Santo. E como diante de um grande quadro, daquele momento de graça ainda hoje continuamos a receber a riqueza extraordinária, a redescobrir particulares aspectos, fragmentos e elementos.

No limiar do terceiro milénio, o Beato João Paulo II escreveu: «Sinto ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa» (Carta Apost. Novo millennio ineunte, 57). Penso que esta imagem é eloquente. Os documentos do Concílio Vaticano II, sobre os quais é preciso meditar, libertando-os de um excesso de publicações que muitas vezes, em vez de os dar a conhecer, os esconderam, são também para o nosso tempo uma bússola que permite à barca da Igreja fazer-se ao largo, no meio de tempestades ou de ondas calmas e tranquilas, para navegar com segurança e chegar à meta.

Recordo bem aquele período: eu era um jovem professor de teologia fundamental na Universidade de Bonn, e foi o Arcebispo de Colónia, Cardeal Frings, para mim um ponto de referência humano e sacerdotal, que me trouxe consigo a Roma como seu teólogo consultor; depois, fui também nomeado perito conciliar. Para mim foi uma experiência singular: após todo o fervor e entusiasmo da preparação, pude ver uma Igreja viva — quase três mil Padres conciliares de todas as partes do mundo, reunidos sob a guia do Sucessor do Apóstolo Pedro — que se põe na escola do Espírito Santo, o verdadeiro motor do Concílio. Raras vezes na história foi possível como então, quase «tocar» concretamente a universalidade da Igreja num momento da grande realização da missão de levar o Evangelho a todos os tempos e até aos confins da terra. Nestes dias, se virdes as imagens da abertura dessa grande Assembleia, através da televisão ou dos outros meios de comunicação, podereis sentir também vós a alegria, a esperança e o encorajamento que infundiu em todos nós a participação nesse acontecimento de luz, que se irradia até hoje.

Na história da Igreja, como julgo que sabeis, vários Concílios precederam o Vaticano II. Geralmente, estas grandes Assembleias eclesiais foram convocadas para definir elementos fundamentais da fé, sobretudo corrigindo erros que a punham em perigo. Pensemos no Concílio de Niceia, em 325, para contrastar a heresia ariana e confirmar com clareza a divindade de Jesus, Filho Unigénito de Deus Pai; ou no de Éfeso, em 431, que definiu Maria como Mãe de Deus; no de Calcedónia, em 451, que afirmou a única Pessoa de Cristo em duas naturezas, divina e humana.

Para chegar mais próximo de nós, temos que mencionar o Concílio de Trento, no século XVI, que esclareceu pontos essenciais da doutrina católica diante da Reforma protestante; ou então o Vaticano i, que começou a meditar sobre várias temáticas, mas só teve o tempo de produzir dois documentos, um sobre o conhecimento de Deus, a revelação, a fé e as relações com a razão, e o outro sobre o primado do Papa e sobre a infalibilidade, porque foi interrompido pela ocupação de Roma em Setembro de 1870.

Se olharmos para o Concílio Ecuménico Vaticano II, veremos que naquele momento do caminho da Igreja não havia particulares erros de fé para corrigir ou condenar, nem questões específicas de doutrina ou de disciplina para esclarecer. Então, pode-se compreender a surpresa do pequeno grupo de Cardeais presentes na sala capitular do mosteiro beneditino em São Paulo fora dos Muros quando, a 25 de Janeiro de 1959, o Beato João XXIII anunciou o Sínodo diocesano para Roma e o Concílio para a Igreja Universal.

A primeira questão que se apresentou na preparação deste grande acontecimento foi precisamente como começá-lo, qual tarefa específica atribuir-lhe. No discurso de inauguração, a 11 de Outubro de há cinquenta anos, o Beato João XXIII deu uma indicação geral: a fé devia falar de um modo «renovado», mas incisivo — porque o mundo estava a mudar rapidamente — mas mantendo intactos os seus conteúdos perenes, sem concessões nem comprometimentos. O Papa desejava que a Igreja meditasse sobre a sua fé, as verdades que a guiam.

Mas desta reflexão séria e aprofundada sobre a fé, devia ser delineada de modo novo a relação entre a Igreja e a era moderna, entre o Cristianismo e certos elementos essenciais do pensamento moderno, não para se conformar com ele, mas para apresentar a este nosso mundo, que tende a afastar-se de Deus, a exigência do Evangelho em toda a sua grandeza e pureza (cf. Discurso à Cúria Romana para os votos de Natal, 22 de Dezembro de 2005). Indica-o muito bem o Servo de Deus Paulo VI na homilia no final da última sessão do Concílio — a 7 de Dezembro de 1965 — com palavras extraordinariamente actuais quando afirma que, para avaliar bem este evento, «deve ser visto no tempo em que se verificou.

Com efeito — diz o Papa — aconteceu numa época em que, como todos reconhecem, os homens estão atentos ao reino da terra, mais do que ao reino dos céus; um tempo, acrescentemos, em que o esquecimento de Deus se faz habitual, como que sugerido pelo progresso científico; um tempo em que o acto fundamental da pessoa humana, tornada mais consciente de si mesma e da própria liberdade, tende a reivindicar a própria autonomia absoluta, libertando-se de toda a lei transcendente; um tempo em que o “laicismo” é considerado a consequência legítima do pensamento moderno e a norma mais sábia para o ordenamento temporal da sociedade...

Neste tempo celebrou-se o nosso Concílio para louvor de Deus, em nome de Cristo, inspirador o Espírito Santo». Assim dizia Paulo VI. E concluía, indicando na questão de Deus o ponto central do Concílio, aquele Deus que «existe realmente, vive, é uma pessoa, é próvido, é infinitamente bom; aliás, não só bom em Si, mas bom imensamente também para nós, é nosso Criador, nossa verdade, nossa felicidade, a tal ponto que o homem, quando si esforça por fixar a mente e o coração em Deus, na contemplação, realiza o gesto mais excelso e mais cheio do seu espírito, o acto que ainda hoje pode e deve ser o ápice dos inúmeros campos da actividade humana, do qual eles recebem a sua dignidade» (aas 58 [1966], 52-53).

Vemos como o tempo no qual vivemos continua a estar marcado pelo esquecimento e a surdez em relação a Deus. Então, penso que devemos aprender a lição mais simples e mais fundamental do Concílio, ou seja, que o Cristianismo na sua essência consiste na fé em Deus, que é Amor trinitário, e no encontro pessoal e comunitário com Cristo que orienta e guia a vida: tudo o resto é consequência. O mais importante hoje, precisamente como era o desejo dos Padres conciliares, é que se veja — de novo, com clareza — que Deus está presente, nos diz respeito e nos responde. E que, ao contrário, quando falta a fé em Deus, desaba o que é essencial, porque o homem perde a sua dignidade profunda e aquilo que enobrece a sua humanidade, contra qualquer reducionismo.

O Concílio recorda-nos que a Igreja, em todos os seus componentes, tem a sua tarefa, o mandato de transmitir a palavra do amor de Deus que salva, para que seja ouvida e acolhida a chamada divina que contém em si a nossa bem-aventurança eterna.

Considerando nesta luz a riqueza contida nos documentos do Vaticano II, gostaria de mencionar as quatro Constituições, quase os quatro pontos cardeais da bússola capaz de nos orientar. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium indica-nos como na Igreja, no início, há a adoração, Deus e a centralidade da presença de Cristo. E a Igreja, Corpo de Cristo e povo peregrino no tempo, tem como tarefa fundamental glorificar Deus, como exprime a Constituição dogmática Lumen gentium. O terceiro documento que gostaria de citar é a Constituição sobre a

Revelação Divina Dei Verbum: a Palavra viva de Deus convoca a Igreja e vivifica-a ao longo de todo o seu caminho na história. E o modo como a Igreja leva ao mundo inteiro a luz que recebeu de Deus, para que seja glorificado, é o tema de base da Constituição pastoral Gaudium et spes.

O Concílio Vaticano II é para nós um forte apelo a redescobrir cada dia a beleza da nossa fé, a conhecê-la de modo profundo para uma relação mais intensa com o Senhor, a viver até ao fim a nossa vocação cristã.

A Virgem Maria, Mãe de Cristo e de toda a Igreja, nos ajude a realizar e a levar a cumprimento o que os Padres conciliares, animados pelo Espírito Santo, conservavam no coração: o desejo de que todos possam conhecer o Evangelho e encontrar-se com o Senhor Jesus como Caminho, Verdade e Vida. Obrigado!