O sentido do oitavo mandamento é este: Deus é a verdade, ele só pode querer a verdade. Nós que somos suas criaturas, seus filhos e filhas, seríamos infiéis a ele e o ofenderíamos se faltássemos com a verdade. Faltar à verdade por palavras ou atitudes significa rejeitar a retidão moral, a honestidade do ser humano, mais ainda do cristão. Amar a Deus sobre todas as coisas significa também amar mais a verdade do que nossos interesses que poderíamos defender com a mentira.
O Antigo Testamento está repleto de afirmações a respeito da verdade de Deus. Podemos resumi-las todas na palavra de São Paulo: “Seja Deus reconhecido veraz” (Romanos 3,4). O mesmo acontece no Novo Testamento a respeito de Jesus. Ele veio entre nós “em plenitude de graça e de verdade... A lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (João 1,14.17).
Jesus prometeu a seus ouvintes: “Se permanecerdes em minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres” (João 31-32). E acrescentou: “Quando ele vier, o Espírito da verdade, vos conduzirá na verdade plena” (João 16,13). Finalmente pediu que os discípulos sejam verazes: “Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não” (Mateus 5,37).
O Concílio Vaticano II, na Declaração sobre a Dignidade Humana (n. 2), diz: “É postulado da própria dignidade que os homens todos, por serem pessoas... se sintam por natureza impelidos e moralmente obrigados a procurar a verdade, sobretudo a que concerne à religião. São obrigados também a aderir à verdade conhecida e a ordenar toda a vida segundo as exigências da verdade". Santo Tomás de Aquino acrescenta: “Os homens não poderiam viver juntos se não tivessem confiança recíproca, quer dizer, se não manifestassem a verdade uns aos outros” (Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2469).
Em qualquer situação da vida, nós sempre devemos dar testemunho da verdade. Devemos procurar ser como Jesus, que disse: “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (João 18,37). É exatamente este o conteúdo do oitavo mandamento: “Não darás falso testemunho contra teu próximo” (Êxodo 20,16). E Jesus insiste: “Ouvistes também que foi dito aos antigos: ‘Não jurarás falso’, mas ‘cumprirás os teus juramentos feitos ao Senhor’” (Mateus 5,33). Daí que nós devemos ser, em toda parte e lugar, testemunhas do Evangelho e de tudo quanto ele ensina.
O martírio é o máximo testemunho da verdade que se pode dar, pois ele envolve a morte da pessoa, a supressão da vida por amor à fé, por amor a Cristo. Santo Inácio de Antioquia, fervoroso mártir do século II, sendo conduzido a Roma para ser sacrificado, escreveu aos romanos prevenindo-os para que nada fizessem a fim de livrá-lo de morrer por Cristo: "Deixai-me ser comida das feras. É por elas que me será concedido chegar até Deus." O martírio pode ter motivações diversas, contanto que seja sempre por amor a Deus, a alguma virtude, como a fé, a justiça, a pureza, o amor ao próximo.
Dito isso, temos que estar atentos porque há muitas formas de faltar à verdade, principalmente por meio da mentira, indigna de quem é discípulo de Cristo. Quem foi batizado, como ensina São Paulo, deve revestir-se “do homem novo, criado à imagem de Deus, na verdadeira justiça e santidade. Portanto, tendo vós rompido com a mentira, que cada um diga a verdade a seu próximo” (Efésios 4,24-25). E São Pedro acrescenta: “Despojai-vos de toda maldade, de toda mentira, hipocrisia e inveja, e de toda calúnia” (1Pedro 2,1).
O cristão, portanto, deve ser verdadeiro em tudo o que faz e diz, do contrário não será discípulo daquele que declarou: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (João 14,6). Jesus foi severo com os mentirosos: “O vosso pai é o diabo, e quereis cumprir o desejo do vosso pai. Ele era assassino desde o começo e não se manteve na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele fala mentira, fala o que é próprio dele, pois ele é mentiroso e pai da mentira” (João 8,44).
Uma pergunta: será grave mentir? A gravidade da mentira depende do tipo de verdade que ela deforma, das circunstâncias em que é pronunciada, das intenções de quem a profere, dos prejuízos que ela acarreta. É pecado mortal quando fere gravemente as virtudes da justiça e da caridade. Mentir está errado por natureza. Quem mente profana a palavra, dom de Deus, concedido a nós para falar a verdade, não para enganar o próximo. A mentira causa grandes prejuízos na sociedade, destrói a confiança entre as pessoas e afeta o relacionamento.
Diante do mal provocado pela mentira, a justiça manda que ela seja reparada. “Toda falta cometida contra a justiça e a verdade impõe o dever de reparação, mesmo que seu autor tenha sido perdoado [no sacramento da Penitência]. Quando se torna impossível reparar um erro publicamente, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que sofreu o prejuízo não pode ser diretamente indenizado, deve-se dar-lhe satisfação moralmente, em nome da caridade. Esse dever de reparação se refere também às faltas cometidas contra a reputação de outrem. Essa reparação, moral e às vezes material, será avaliada na proporção do dano causado e obriga em consciência” (Catecismo da Igreja Católica n. 2487).
Além da mentira, há outras formas de faltar à verdade, principalmente estas:
- Dar falso testemunho; pior ainda jurar que é verdade quando na realidade é mentira, coisa que se classifica de perjúrio; trata-se de faltas que prejudicam gravemente o próximo, às vezes com consequências terríveis, como condenar um inocente á prisão perpétua ou até à morte, como tem acontecido.
- Prejudicar a boa fama das pessoas, o que pode acontecer de diversas formas: por juízo temerário, isto é, pensar mal de alguém ou falar sem ter fundamento real para isso; por maledicência, que consiste em revelar a outros defeitos de terceiros sem haver motivos muito sérios para isso; por calúnia, ao inventar coisas a respeito de alguém, sabendo que é mentira. Tudo isto acaba destruindo a reputação e a honra do próximo.
- A bajulação, adulação ou complacência; essas atitudes ou confirmam os outros em seus vícios ou buscam vantagens indevidamente;
- A jactância ou fanfarronice, bem como a ironia são contra a verdade: todas elas acabam falsificando a realidade da pessoa que as pratica ou falsificando a realidade dos outros. – (Continua na próxima postagem).
PS O texto acima tem como autor Dom Hilario Moser,sdb, Bispo Emérito de Tubarão, SC e é aqui transcrito com sua autorização.