Em seguida à profissão de fé de Pedro: "...Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo", (MT 16, 16), Jesus Cristo faz o primeiro anuncio de sua paixão:
"...O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e depois de três dias ressuscitar" (Mc 8, 31).
A Paixão, com a morte e a ressurreição e ascensão do Senhor, está no ápice da Ação Salvífica de Jesus Cristo, e se identifica com a vontade do Pai, fazendo-O obediente até a morte e morte de cruz:
"...Meu Pai, se é possivel, permití que passe de mim esse cálice; faça-se contudo, não como eu quero, mas como vós quereis" (Mt 26, 39).
Escandalizado e disiludido com este anúncio, Pedro tenta afastá-Lo dessa vontade do Pai, e Jesus, o rejeita drasticamente: "...Retira-te de mim satanás, tu me serves de escândalo, poque julgas de acordo com os homens e não de acordo com Deus" (Mt 16, 23).
A Ação Salvífica de Jesus Cristo, se caracteriza por ser Universal, tendo por destinatária toda a Humanidade, envolvendo a pessoa humana, sem qualquer discriminação e portanto, aceita por Deus: "Em qualquer nação, lhe é agradavel aquele que O teme e pratica a justiça" (At 10, 35)
Sendo universal, a Obra Salvadora de Jesus Cristo acontece numa dimensão essencialmente comunitária, como ensina o Concílio Vaticano II, porém sem ignorar que a pessoa humana, mesmo na comunidade, conserva sua individualidade e identidade:"Aprouve contudo a Deus santificar e salvar os homens não singularmente, sem nenhuma conexão uns com os outros, mas constitui-los num povo, que o conhecesse na verdade e santamente O servisse" (LG no.8).
O Novo Testamento documenta exaustivamente a universalidade da Ação Salvífica de Jesus Cristo, que mesmo quando personalizada, sempre tem como referencial a Comunidade, como encontramos em 1Cor, 12, quando São Paulo se refere à diversidade pluralista dos dons e carismas dos diferentes membros do Corpo, tendo presente a complementariedade existente entre eles na composiçao do mesmo Corpo de Cristo, onde:
"Do mesmo modo que o corpo é um só e tem muitos membros e que todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo. Todos fomos batizados em um só Espirito para formar um só Corpo, sejamos judeus ou gregos, escravos ou livres...Vos sois Corpo de Cristo e cada um por sua parte, sois membros dEle" (1Cor 12,12s.27).
Nesta perspectiva, o relacionamento de Cristo Salvador, com a humanidade se dá em diversos níveis, seja individualmente, seja em pequenos grupos, seja ainda em multidões.
Seguindo esta lógica, os evangelhos apresentam o relacionamento de Jesus, partindo da comunhão dEle com as multidões, depois com o grupo dos discipulos, chegando ao grupo dos doze, aos quais chama de Apóstolos, donde em certas ocasiões particulares, escolhe três; Pedro, Tiago e João, sem excluir contatos com outras pessoas singularmente.
"Retirou-se Jesus naqueles dias à montanha para rezar e passou toda a noite em oração a Deus. Quando raiou o dia, chamou seus discípulos. Dentre eles escolheu Doze, aos quais deu o nome de Apóstolos...Desceu com eles e parou em um lugar plano, juntamente com o numeroso grupo de seus discípulos e a grande multidão de povo..." (Lc 6, 12-17).
Portanto, do grupo dos doze apóstolos Jesus escolhe três, Pedro, Tiago e João como testemunhas da Transfiguração: "...toma Jesus consigo, à parte, somente Pedro, Tiago e João e os conduz a um alto monte" (Mc 9, 2).
Esse mesmo grupo dos três apóstolos, em outra situação, bem diferente da Transfiguração, foi escolhido pelo Senhor para ser-Lhe de conforto no momento mais dramático de sua paixão, no jardim das Oliveiras, Jesus:
"Toma consigo Pedro, Tiago e João e começa a encher-se de temor e angustia. E lhes diz: Minha alma esta oprimida de tristeza mortal. Ficai aqui e velai.
Nessa ocasião, depois de infindos gestos de um amor sem limites e gratuito, oferecidos generosamente pelo Divino Mestre, nas duas vezes em que Jesus buscou neles o conforto de um amigo, os encontrou dormindo. Não foram capazes de partilhar com o Mestre, sua solidão, seu sofrimento, que chegou ao suor de sangue.
Pelo contrário, no Tabor, perante o esplendor de Jesus Cristo transfigurado, Pedro no auge da felicidade, atônito aspira pela perenidade dessa visão arrebatadora:
"...Mestre é bom estarmos aqui. Façamos três tendas; uma para Vós, outra para Moises e outra para Elias" (Mc 9, 5)
Nessas duas situações, temos duas manifestações diferentes por parte dos três apóstolos, uma no Tabor, outra no Getsêmani. Em uma, Jesus Cristo deixa transparecer algo de sua divindade e em outra sua humanidade, duas realidades reveladas no misterio da Encarnação:"Disse-lhe o anjo; Não tenhas receio, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Conceberas e daras a luz um filho e lhe poras o nome de Jesus...O Espirito Santo descera sôbre ti e a virtude do Altissimo te cobrira com sua sombra. É por isso que o Santo, que vai nascer, sera chamado Filho de Deus", (Lc 1, 30s . 35).
"...seu rosto tornou-se resplendente como o sol e suas vestes fizeram-se brilhantes como a luz" (Mt 17, 2),
A Transfiguração do Tabor deveria servir para encorajar os apóstolos a fim de não se deixarem abater pelas provações que viriam em breve com a paixão e crucifixão de seu Mestre.
No Getsêmani, é o mesmo Jesus da Transfiguração em sua realidade humana, marcada pelo sofrimento do suor de sangue, buscando lenitivo mas sendo abandonado pelos apóstoloso até mesmo pelo três que escolhera para conforta-Lo nesse momento; Pedro, Tiago e João:
"E lhes diz; minha alma esta oprimida de tristeza mortal . Ficai aqui e velai" (Mc 14, 34).
"Voltando para junto dos seus discípuos, encontrou-os dormindo e disse a Pedro, Assim não pudestes velar comigo nem uma hora e encontra os discioulos dormindo. Diz a Pedro,não pudeste velar nem uma hora?" (MT 26, 40).
Nossa reflexão sobre a Transfiguração (Tabor), caminhou na direção da Paixão (Getsêmani), colocando-nos diante de uma complexa questão existencial que nos questiona conforme a
V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe: "Como relacionar caminhos alegres, luminosos, com caminhos dolorosos e gloriosos". (Cfr DA 280b).
São Paulo, responde a este questionamento, consagrando à virtude teologal da Caridade todo o capítulo treze da primeira carta aos Corintios, em que exalta a sublime grandeza do Amor, evidenciando que:
a. em tudo o que fazemos ou possamos fazer, sem o Amor, não passo de um bronze que soa, (1Cor 13, 1) nada sou, (1Cor, 13, 2) isso nada me aproveita, (1Cor 13, 3).
b. O Amor é perpétuo em relação às demais virtudes e mesmo à Fé e à Esperança,
(1Cor 13, 3-10.12s).
c. As benemerências do Amor, (1Cor 13, 4-7).
Encontramos então no Amor todo o potencial que necessitamos para realizar a perfeita síntese entre a Transfiguração (Tabor) e a Paixão (Getesêmani).
Concluindo: Na Transfiguração
01. Ele nos prepara, como aos apóstolos, para a paixão que nos aguarda.
02. Ele nos escolhe para a missão, mesmo conhecendo nossa fraqueza, nossa fragilidade, nossa infidelidade.
03. Ele nos nos torna humildes, libertando-nos da presunção vaidosa que nos leva a super valorizar nossas forças, prescindindo de Deus.
04. Ele nos propõe a oração e a vigilância para não cairmos em tentação
05. Ele nos mostra como realizar no AMOR, a síntese entre a Transfiguração (Tabor) e a Paixão (Getsêmani).
Maria, Mãe do Jesus do Tabor e do Getêsemani, nos incentive e ajude na adesão ao caminho da vida e do serviço proposto por Cristo, permitindo aos cristãos aderir "aos caminhos alegres, luminosos, dolorosos e gloriosos de seu Mestre e Senhor" (DA 280b).